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A eletroneuromiografia e a sua correlação clínica

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A eletroneuromiografia e a sua correlação clínica

Especial SRRJ – Eletroneuromiografia

Por Márcia Jardim (Professora adjunta de Neurologia da FCM UERJ
Neurologista do Ambulatório de Hanseníase Fiocruz, Professora Permanente da Pós Graduação
em Neurologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio))

A neuropatia periférica é uma das condições neurológicas mais prevalentes encontradas pelo clínico de todas as especialidades. É uma das cinco principais razões para o paciente procurar um neurologista. A incidência na população geral é 2,4% e aumenta com a idade para cerca de 8% naqueles com mais de 55 anos.
Existem muitos processos patogênicos que podem acometer o nervo periférico, processos metabólicos, tóxicos, imunomediados, infecciosos, eoplásicos/paraneoplásicos, hereditários, degenerativos, isquêmicos, traumáticos. Determinar a sua etiologia nem sempre é uma tarefa fácil, uma vez que a apresentação clínica vai variar dentro do seu comprometimento funcional, ou seja, o déficit sensitivo ou motor em suas diversas formas de apresentação, algumas vezes associadas a manifestações autonômicas.

O termo neuropatia periférica traduz o funcionamento anormal do Sistema Nervoso Periférico (SNP) composto pelo corpo celular do neurônio, também denominadas neuronopatia (sensitiva/ganglionopatia ou motora), e aquelas que afetam o seu processo periférico, o nervo periférico. O diagnóstico topográfico das neuropatias periféricas é uma das mais importantes ferramentas para a sua definição etiológica. Se dividem em:
– Mononeuropatia, quando um único nervo é acometido;
– Mononeuropatia múltipla, quando há o comprometimento de dois ou mais nervos pelo mesmo processo patológico, ocorrendo de forma assimétrica, seja no mesmo segmento ou em diferentes segmentos. Algumas vezes, quando há um acometimento assimétrico extenso, denomina-se polineuropatia assimétrica ou confluente.
– Polineuropatia, caracterizada pelo acometimento simétrico e distal dos nervos periféricos.

Além do diagnóstico topográfico, é importante determinar o processo patogênico que envolve o SNP, que pode acometer o axônio do nervo, a bainha de mielina ou ambos. O envolvimento axonal compreende a degeneração Walleriana, a degeneração axonal distal do tipo dying back, ou a neuronopatia.
A eletroneuromiografia (ENMG) é uma das mais importantes ferramentas para avaliar o SNP. A ENMG é o resultado da avaliação dos parâmetros de condução nervosa de fibras motoras e sensitivas, a eletromiografia com o uso de agulhas, além de outros testes mais específicos complementares, como por exemplo, a estimulação repetitiva ou a resposta simpático reflexa. É o melhor método para avaliar o estado funcional do SNP e o de menor potencial invasivo, desta forma, constitui-se no método de primeira escolha para a avaliação complementar nas neuropatias periféricas. Através do seu resultado, pode-se confirmar a presença ou não de neuropatia periférica que acometa fibras de médio (A_) ou grande calibre (A_). Permite avaliar a gravidade e extensão do comprometimento na neuropatia (diagnóstico topográfico), tipo de fibras alteradas (sensitiva, motora) e também permite, muitas vezes, inferir o tipo de comprometimento patogênico que ocorre no nervo periférico (axônio ou mielina).
Embora o estudo eletroneuromiográfico não permita identificar a etiologia específica da neuropatia periférica na maioria dos casos, este método permite definir possibilidades ou afastar causas improváveis. Deve sempre ser avaliada associada a informações adicionais (fornecidas pela história clínica, xames laboratoriais, estudo do líquor e estudo histopatológico do nervo ou músculo).
Em alguns tipos de neuropatia periférica, nas chamadas neuropatias de fibras finas, quando há o acometimento de fibras de pequeno calibre amielínicas ou pouco mielinizadas (fibras C ou A_), a ENMG é normal.

A indicação da ENMG é a necessidade de investigação diagnóstica nas neuropatias periféricas, e a correlação dos seus achados aos dados clínicos é um divisor de águas nas decisões que deverão ser tomadas diante de um paciente com neuropatia periférica. Alguns exemplos neste sentido são a possibilidade de tomada de decisões terapêuticas, como nos casos das polirradiculoneuropatias (quando existem sinais de envolvimento proximal e distal dos nervos periféricos) desmielinizantes agudas e crônicas. Os pacientes que apresentam mononeuropatia, e especialmente a mononeuropatia múltipla, devem ser avaliados com atenção especial, pois muitas vezes é um achado que sugere a possibilidade de doença inflamatória/infecciosa do nervo periférico, como a hanseníase, ou inflamatória/autoimune, como a vasculite.
Nestes casos, muitas vezes é necessária a realização de biópsia de nervo para a confirmação diagnóstica. E uma das utilidades da ENMG além do auxílio na indicação da biópsia de nervo, também é uma importante ferramenta para a determinação do nervo a ser biopsiado. Como já referido anteriormente, estas decisões devem sempre estar associadas a critérios clínicos, mas de uma maneira geral as principais indicações para a biópsia de nervo são a suspeita de hanseníase e vasculite, que se apresentam de uma maneira geral sob a forma de mononeuropatia ou mononeuropatia múltipla. Em casos mais raros, estas doenças podem se apresentar na forma das chamadas polineuropatias assimétricas ou confluentes.
Então quais seriam os sinais de alerta para a indicação da biópsia nestes casos? Na suspeita de vasculite, o acometimento ocorre predominantemente nos nervos sensitivos, pode haver presença de dor neuropática, a instalação geralmente ocorre de forma aguda ou subaguda e o comprometimento é axonal. No caso da suspeita de hanseníase, geralmente há um processo de instalação crônica, podendo estar associado ou não a dor nociceptiva (neurite) ou dor neuropática e podemos encontrar um comprometimento desmielinizante focal ou mesmo axonal, nas formas mais crônicas. Por outro lado, quando estamos diante de um paciente com polineuropatia axonal, comprimento dependente, especialmente
nas formas de evolução crônica, devemos investigar doenças tóxicas e metabólicas; nestes casos, a biópsia de nervo possivelmente não será uma ferramenta que auxiliará o diagnóstico.

Portanto a eletroneuromiografia é uma importante ferramenta na avaliação de pacientes com doenças neuromusculares, uma complementação da avaliação clínica. Podendo confirmar o tipo e extensão do acometimento do sistema neuromuscular, confirmar a suspeita de alguns diagnósticos específicos, possibilitando o tratamento específico. Além de auxiliar na realização de determinados procedimentos mais invasivos, como a biópsia do nervo periférico.

Drª Márcia Jardim

Drª Márcia Jardim

Médica

Possui graduação em Medicina pela Fundação Técnico Educacional Souza Marques (1992), Residência em Neurologia pelo Hospital universitário Pedro Ernesto.

Mestrado em Medicina-Neurologia pelo Hospital Universitário Antônio Pedro (2000) e doutorado em Medicina Neurologia pelo Hospital Universitário Antônio Pedro (2004). Atualmente é Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Médica Neurologista do ambulatório de hanseníase da Fundação Oswaldo Cruz, professora permanente da pós-graduação de neurologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Doenças Neuromusculares, atuando principalmente nos seguintes temas: Neuropatias periféricas, miopatias, lepra/hanseníase, neurofisiologia clínica/eletroneuromiografia, vasculite, amiloidose.

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