ARTIGOS

Neuropatias Periféricas

por

Neuropatias Periféricas

O sistema nervoso periférico inclui os nervos cranianos, os nervos espinhais com seus ramos e raízes, os nervos periféricos, e os componentes periféricos do sistema nervoso autônomo11. O termo neuropatias periféricas abrange doenças que afetam o corpo celular do neurônio, ou neuronopatia, e aquelas que afetam o processo periférico, neuropatia periférica propriamente dita.

A neuropatia periférica é uma das condições neurológicas mais prevalentes encontradas pelo clinico de todas as especialidades, e a avaliação de distúrbios sensitivos é uma das cinco principais razões para o paciente procurar um neurologista. A incidência na população geral é 2,4% e aumenta com a idade para cerca de 8% naqueles com mais de 55 anos16.

Por causa de sua estrutura complexa e extensa, o sistema nervoso periférico (SNP) é exposto a muitas substâncias ambientais, metabólicas e genéticas e afetado por uma miríade de doenças13.  As etiologias da neuropatia periférica são muitas, excedendo duzentas causas dependendo do sistema de classificação utilizado. A identificação e o caminho da investigação da etiologia são influenciados por variáveis que incluem a população estudada, a natureza e a intensidade da evolução clínica. Por causa das inúmeras etiologias que podem afetar o nervo periférico, a sua determinação pode ser um desafio14.

Hanseníase é a causa mais comum de neuropatia tratável no mundo. Tornando-se a causa mais frequente de neuropatia periférica nos lugares onde a hanseníase é endêmica3. Já nos países desenvolvidos, a principal etiologia é o diabetes, mas também o consumo abusivo de álcool, uso de drogas citostáticas (neuropatias tóxicas) assim como a neuropatia relacionada ao Vírus da Imunodeficiência Adquirida. Em alguns pacientes (20-30%), mesmo após extensa investigação diagnóstica, a etiologia permanece desconhecida (neuropatia idiopática/criptogênica)12.

Os dois primeiros objetivos na avaliação de um paciente com neuropatia periférica são determinar: (1) onde a lesão está localizada, e (2) a causa da lesão2.

Anatomia do Sistema Nervoso Periférico

As raízes anteriores da medula espinhal conduzem axônios motores do neurônio localizado no corno anterior da medula, e as raízes posteriores são compostas de axônios sensitivos, os corpos celulares destes axônios estão localizados no gânglio da raiz dorsal. Estas raízes se juntam para formar o nervo espinhal que passa pelo canal espinhal. Posteriormente, se dividem em ramo posterior, que inerva a pele do pescoço e tronco e a musculatura paraespinhal, e o ramo anterior, que inerva a face antero-lateral do tronco e forma os diferentes plexos e então originando os nervos periféricos que seguem para os membros superiores e inferiores11.

Os nervos periféricos são constituídos de axônios motores, sensitivos e autonômicos. Os axônios são divididos em três grandes grupos de tamanho: grandes mielinizados (6 a 12µm), pequenos mielinizados (2 a 6µm) e não mielinizados (amielinicos) (0,2 a 2µm). Os nervos motores são constituídos por fibras mielinizadas de grande calibre (Fibras Aα). As diferentes modalidades sensitivas são carreadas por fibras de diferentes diâmetros, sendo as fibras mielinizadas de pequeno calibre (Fibras Aδ) e as fibras amielínicas (Fibras C) responsáveis pela condução da sensibilidade térmica e dolorosa, os axônios mielinizados de médio calibre (Fibras Aβ) conduzem a sensibilidade tátil (tato fino) e as fibras mielinizadas de grande calibre (Fibras Aα) conduzem a informação da sensibilidade proprioceptiva e vibratória. Os corpos celulares das fibras sensitivas estão localizados no gânglio da raiz dorsal. As fibras autonômicas são constituídas de axônios amielínicos pós-ganglionares (Fibras C) e pouco mielinizados préganglionares (Fibras B)4. Algumas neuropatias tem predileção por determinados tipos e tamanhos de fibras. Neuropatias de fibras grossa afetam a força, reflexos e a sensibilidade vibratória e proprioceptiva, enquanto as neuropatias de fibras finas afetam principalmente dor, temperatura e função autonômica6.

Classificação

Existem diversas formas de classificação das neuropatias periféricas, e a partir destas classificações podemos orientar a investigação da sua etiologia

  • Podem ser subdivididas baseadas no diâmetro do axônio lesado: fibras mielinizadas de grande calibre (Fibras Aα) (atáxica ou pseudotabética) ou de fibras mielinizadas de pequeno calibre ou amielínicas (“fibras finas” ou pseudosiringomiélica).
  • Além disso podem ser subdivididas de acordo com o processo patológico, naquelas que afetam primariamente a mielina, ou mielinopatias, ou neuropatias desmielinizantes (segmentar ou uniforme) e aquelas que afetam o axônio, ou axonopatias ou neuropatias axonais (degeneração axonal, degeneração Walleriana ou neuronopatia).
  • Podem ser classificadas de acordo com o padrão anatômico de acometimento: mononeuropatia, mononeuropatia múltipla, polineuropatia, polirradiculoplexopatia, plexopatia, radiculopatia e neuronopatia (motora ou sensitiva, esta última também denominada ganglionopatia)1.

Cada uma destas categorias patológicas tem achados clínicos e eletroneuromiograficos característicos2.

 

Avaliação clinica

Historia

Os sintomas podem ser classificados como positivos (refletem atividade espontânea anormal do nervo) ou negativos (relacionados a perda da função neurológica).

Em relação a função sensitiva os sintomas positivos são: parestesia, dor neural (neuropática e nociceptiva), alodinia (estimulo não doloroso percebido como sensação desagradável), hiperalgesia (sensibilidade alterada ao estímulo doloroso), hiperestesia e hiperpatia, resposta prolongada ao estimulo, respectivamente tátil e doloroso. Sintomas positivos podem estar presentes precocemente no processo da neuropatia periférica. E os negativos são perda da percepção das diversas modalidades sensitivas, com a ocorrência de queimaduras por falta de sensibilidade dolorosa, por exemplo. Também anormalidades da marcha como ataxia.

Os sintomas motores positivos geralmente estão relacionados ao aparecimento de movimentos anormais espontâneos como: câimbras, espasmos, mioquimia, fasciculações, miotonia, tremor.  Os sintomas motores negativos: fraqueza e fadiga.  A fraqueza pode não ser determinada até que ocorra perda de 50% a 80% das fibras motoras.

Sintomas sugerindo envolvimento autonômico incluem saciedade precoce, edema, constipação, diarreia, impotência, incontinência urinária, impotência, anormalidades da sudorese (hiperidrose e anidrose) e tontura associada com ortostatismo. Pacientes com instabilidade vasomotora podem reportar extremidades frias associadas com alterações tróficas.

Detalhes relacionadas ao início da doença, duração e progressão são importantes para sua caracterização (monofásico, progressivo, flutuante ou em etapas/surtos). A localização do início dos sintomas, envolvimento dos nervos cranianos ou tronco1.

A história social pode incluir questões relacionadas a ocupação (possibilidade de exposição a solventes tóxicos, colas, fertilizantes, óleos, e lubrificantes), história sexual (HIV, hepatite C), uso de drogas ilícitas (vasculite secundaria a cocaína), ingesta excessiva de álcool, hábitos alimentares (dieta vegana), e fumo (doenças paraneoplasicas). História de infância desajeitada ou pobre performance atlética sugere etiologia hereditária1.

 

Exame físico

O exame de órgãos e sistemas deve fazer parte da avaliação do paciente em investigação de neuropatia periférica. Sinais vitais caracterizando hipotensão ortostática podem identificar evidência de disautonomia. Pele e mucosas podem demonstrar lesões vasculíticas (purpura, livedo reticular), hiperpigmentação. Além de úlceras orais (Bechet, HIV), olhos ou boca seca (sarcoidose ou síndrome de Sjogren), perda de pelo em extremidades (denervação dos folículos pilosos), “linha de chumbo” na gengiva (exposição ao chumbo), linhas de Mees nas unhas podem sugerir intoxicação pelo arsênico ou talio; alopecia pode sugerir hipotiroidismo. Deformidades esqueléticas como dedos em cabeça de martelo, pes cavus, e cifoescoliose são sugestivas de polineuropatia hereditária. As alterações de pele podem, associadas a Polineuropatia, Organomegalia, Endocrinopatia, gamopatia monoclonal (IgM) caracterizar a Síndrome de POEMS.

Espessamento do nervo pode sugerir neuropatia desmielinizante, neoplasia, amiloidose, neurofibromatose, hanseníase. O comprometimento da motilidade ocular pode ocorrer, entre outras etiologias, no botulismo e na síndrome de Miller Fisher.

Nervos cranianos: anosmia (doença de Refsum, deficiência de vitamina B12), atrofia ótica (neuropatias hereditárias com desmielinização central e periférica), anisocoria ou anormalidade pupilar, reflexo fotomotor (disautonomia parassimpática), fraqueza facial (Síndrome de Guillain-Barre), perda sensitiva trigeminal (Sindrome de Sjogren)1.

O exame da sensibilidade deve ser realizado avaliando o tipo de fibra e a anatomia do nervo periférico. Pode ser dividido na avaliação de fibras finas (dor, temperatura e de fibras grossas (sensibilidade vibratória, posição segmentar, e toque leve, presença de Romberg). O comprometimento da sensibilidade proprioceptiva pode se manifestar com um quadro de ataxia sensitiva mimetizando um comprometimento cerebelar5. Durante a avaliação a sensibilidade, devemos pensar anatomicamente para diferenciar entre os diferentes padrões de alterações da sensibilidade: mononeuropatia, mononeuropatia múltipla, polineuropatia simétrica distal, polineuropatia simétrica mais comprimento dependente, plexopatia, radiculopatia, neuronopatia (sensitivo ou motora).

A sensibilidade térmica pode ser testada com agua gelada, mas um material de metal resfriado, como o diapasão, pode ser suficientemente frio e disponível. A sensibilidade dolorosa deve ser avaliada com um material pontiagudo não perfurante. A sensibilidade vibratória é melhor estudada com um diapasão de 128Hz, no maléolo, tuberosidade tibial, dedos, punhos e clavicula. É avaliado o intervalo de tempo entre o início e o final da percepção da vibração. Um adulto jovem deve perceber a vibração no hálux por pelo menos 15 segundos; este valor pode declinar 1s por década. A percepção da vibração por um período menor do que 10s no hálux é anormal em qualquer idade. A determinação do acometimento da noção de posição segmentar é menos sensível do que a sensibilidade vibratória nas neuropatias que afetam as fibras grossas. E testada no grande dedo e no segundo quirodáctilo na articulação interfalangeana distal1.

A redução ou abolição dos reflexos profundos é um dos achados clínicos no comprometimento do neurônio motor inferior. Hipoarreflexia ou arreflexia de Aquileu é comum nas neuropatias de fibras grossas nas neuropatias com padrão comprimento-dependente, mas os reflexos Aquileus estão tipicamente preservados nas neuropatias de fibras finas.  Arreflexia difusa deve direcionar a investigação para uma possível polirradiculoneuropatia ou neuropatia hereditária. Reflexos assimétricos podem sugerir mononeuropatia ou radiculopatia. Exacerbação dos reflexos profundos sugerem sobreposição de envolvimento do sistema nervoso central, como estenose de canal cervical ou deficiência de vitamina B125. Os reflexos diminuem com a idade; a ausência de Aquileus aos 80 anos pode ser normal.

O exame da marcha pode revelar fraqueza não percebida pelo teste da força muscular (dedos, calcanhar, e marcha em tandem, cócoras e pulando. Alargamento da base ou dificuldade com marcha em tandem pode ressaltar ataxia sensitiva súbita.

A força muscular e o tônus muscular são avaliados nos diferentes grupamentos musculares, em regiões proximais e distais dos segmentos. A graduação é feita de acordo com a escala do The Medical Research Council (MRC) do “Aids to examination of the peripheral nervous system”:

0 = paralisia completa

1 = movimento muscular, sem movimento articular

2 = movimento articular, mas não vence a gravidade

3 = vence a gravidade, mas não vence a resistência

4 = vence a resistência, mas a força esta reduzida

5 = força normal

A determinação da distribuição da fraqueza muscular auxilia na localização da lesão do nervo periférico. Assim como a identificação da hipotrofia ou atrofia, que geralmente ocorre por lesão neurogênica (grau de atrofia maior que a fraqueza). As doenças musculares geralmente causam atrofia discreta e moderada dos músculos envolvidos (grau de fraqueza maior que a atrofia)6.  Alguns sinais podem indicar um grau discreto de paresia, por exemplo, um angulo maior do que 130 graus entre o tornozelo e o pé elevado sugere fraqueza da dorsoflexão do tornozelo1.

O tremor neuropático pode ocorrer nas neuropatias periféricas axonais hereditárias ou adquiridas com desnervação e reinervação.  São frequentemente acompanhados por um tremor postural rápido de pequena amplitude (característica de tremor fisiológico). Um tremor bem evidente é encontrado nas neuropatias desmielinizantes. semelhante ao tremor essencial, com componentes cinéticos e postural, frequência de 3 a 6 Hz. Nas neuronopatias crônicas, como Amiotrofia Espinhal Progressiva, o recrutamento voluntario de unidades motoras gigantes resulta em uma qualidade mioclônica aos movimentos dos dedos, descritas como minipolimioclonus.

 

Caracterização da neuropatia:

Algumas questões que devem ser respondidas após a avalição clínica que vão auxiliar na determinação da investigação etiológica da neuropatia.

  • Avaliação do perfil temporal (tempo de início e duração do curso clinico):

A maioria das neuropatias tem curso crônico e progressivo com um início insidioso. Uma data precisa de início é sugestiva de neuropatia infecciosa. Apresentação hiperaguda de 24 a 72 horas é rara e pode refletir lesão vasculitica, sob a forma de mononeuropatia ou mononeuropatia múltipla. Uma apresentação de início agudo, com progressão em um mês ou menos sugere SGB, vasculite, porfiria, etiologia infecciosa (difteria, doença de Lyme), ou exposição toxica/exposição a drogas (ex. arsênio, talium, agentes quimioterápicos, dapsona). Início subagudo (seis meses ou menos) pode sugerir neuropatia toxica, deficiência nutricional, malignidade, síndromes paraneoplasicas (neuronopatia sensitiva), e algumas anormalidades metabólicas. Uma neuropatia com curso remitente-recorrente sugere desmielinização e subsequente remielinização1.

  • Tipo de fibra tipo de fibra acometida (motora, sensitiva, autonômica ou combinações):

Fibra motora verso sensitiva, somática versus autonômica, e fibra fina versus fibra grossa. Muitas neuropatias envolvem uma combinação destes subtipos. A maioria das neuropatias são mistas, mas pode predominar um tipo de disfunção. Neuropatia sensitiva pura é rara e pode resultar do diabetes mellitus, deficiência de vitamina B12, HIV, amiloidose, hanseníase, síndrome de Sjogren, sarcoidose, uremia, síndromes paraneoplasicas, intoxicação por piridoxina (B6), e neuropatias hereditárias2.

As doenças neuropáticas que apresentam apenas sintomas motores na apresentação: neuronopatia motora, neuropatia motora multifocal, neuropatia motora hereditária. Algumas neuropatias tem predominância de comprometimento motor mas podem ter algum comprometimento sensitivo em graus variáveis, como a Síndrome de Guillain-Barre, Polirradiculoneuropatia Desmielinizante Inflamatória Crônica, Porfiria, Intoxicação pelo chumbo, difteria, neuropatias toxicas pela dapsona, vincristina e amiodarona. Os pacientes com neuropatia hereditária sensitivo-motora podem não ter queixas sensitiva, mas o exame revela acometimento da função sensitiva.

A disfunção autonômica pode ser vista como um componente de polineuropatia generalizada ou neuropatia sensitiva distal de fibras finas, ou pode ocorrer como resultado de uma neuropatia predominantemente autonômica.  O predomínio de sintomas autonômicos ocorre na SGB, diabetes mellitus e amiloidose. Se o inicio é agudo ou subagudo, as principais etiologias são a ganglionopatia autonômica autoimune, síndromes paraneoplasicas, SGB, botulismo, neuropatias toxicas e porfiria aguda. Nas neuropatias autonômicas crônica devem ser consideradas diabete, amiloidose (primaria e familial), doenças hereditárias (ex: sensitiva hereditária e neuropatia autonômica), doença de Fabry, Sindrome de Sjogren, e neuropatia infecciosa e toxica, incluindo HIV.

  • Qual a distribuição da fraqueza (apenas distal versus proximal e distal, focal/assimétrica versus simétrica):

De acordo com o padrão de acometimento motor podemos classificar a lesão sob o ponto de vista anatômico: mononeuropatia, mononeuropatia múltipla, polineuropatia, plexopatia, radiculopatia e neuronopatia. E a determinação da etiologia vai depender das informações obtidas na avaliação clínica.

  • Qual o tipo de fibra envolvida? Qual a natureza do envolvimento sensitivo (dor, queimação, severa perda sensitiva, ataxia sensitiva)?

Embora muitas neuropatias tenham envolvimento misto de fibras de pequeno e grande calibre, o termo neuropatia de fibras finas se refere a um grupo de neuropatias caracterizadas pela disfunção seletiva ou predominante de fibras pouco mielinizadas (fibras Aδ) e fibras amielinicas (fibras C). A neuropatia de fibras finas tem como sintoma a dor neuropática (queimação, fisgada, choque, agulhada). Assim como alodinia (dor  a partir de um estimulo não doloroso) e hiperalgesia (resposta excessiva a um estimulo normalmente doloroso) são altamente específicos. Causas comuns incluem diabetes, intolerância à glicose, toxinas (principalmente o álcool), (arsênio e Talio), doença de Fabry, doença de Tangier, HIV, amiloidose, doenças do tecido conjuntivo (Sindrome de Sjogren, Lupus Eritematoso Sistemico), sarcoidose, neuropatia hereditária sensitiva, polineuropatia simétrica associada ao Vírus da Imunodeficiência Adquirida e autonômica, drogas antiretrovirais15.

Causas de neuronopatia sensitiva: associadas ao câncer (paraneoplasicas), Síndrome de Sjogren, neuronopatia sensitiva idiopática, cisplatina, hipervitaminose de B6.

  • Existe evidência de neuropatia hereditária?

Uma etiologia genética deve ser considerada em uma polineuropatia generalizada. História familiar, ausência de sintomas sensitivos positivos, início precoce, simetria associada a anormalidades esqueléticas, e curso muito lentamente progressivo. Pacientes com neuropatias hereditárias tendem a ter uma pobreza relativa dos sintomas em comparação com o exame físico1.

  • Qual o tipo de lesão do nervo? Axonopatia versus mielinopatia:

Esta classificação pode ser inferida pelo estudo eletrofisiológicos ou histopatologicamente. Achados sugestivos de neuropatia desmielinizante incluem fraqueza sem atrofia, e distribuição não comprimento-dependente, com predomínio proximal ou distribuição assimétrica sob o ponto de vista clinico ou eletrofisiológico, o envolvimento precoce de reflexos proximais, e mioquimia. Etiologia incluem neuropatia hereditária (doença de Charcot-Marie e Tooth [CMT] do tipo 1, HNPP, Doença de Refsum, leucodistrofia metacromatica), Polirradiculoneuropatia Desmielinizante Inflamatoria Crônica, Síndrome de Guillain-Barre, Neuropatia Motora Multifocal, neuropatias relacionadas a paraproteinemia, difteria, neuropatias infecciosas (HIV, doença de Lyme, hanseníase, hepatite C, difteria), e menos comumente neuropatia relacionada a drogas (n-hexano, amiodarona)1.

  • Qual o padrão de acometimento? A neuropatia é simétrica?

A questão inicial é se a neuropatia é simétrica. A questão seguinte é a dependência do comprimento. A maioria das neuropatias são simétricas e comprimento-dependentes. Principalmente relacionadas a condições metabólicas, idiopáticas, hereditárias, ou toxicas. Axonopatias distais de degeneração axonal (dying-back) tem padrão comprimento-dependente clássico na evolução dos sintomas. Os sintomas sensitivos iniciam nos pês, supridos pelos axônios mais longos. Posteriormente a parestesia e disestesia ascendem para panturrilhas, os dedos das mãos tornam-se afetados. Os sintomas motores inicialmente afetam a musculatura intrínseca dos pés, fraqueza do compartimento do musculo tibial anterior causa fraqueza de dorsoflexores do tornozelo5. A musculatura intrínseca das mãos só é acometida após o envolvimento dos músculos da panturrilha. A fraqueza geralmente e maior no grupo extensor do que no grupo flexor.

Nas neuropatias periféricas comprimento-dependentes leve e moderada a propriocepção geralmente está poupada em comparação a outras modalidades sensitivas e são afetadas apenas com a progressão da neuropatia para quadros mais severos. Pacientes com neuropatia periférica que apresentam precocemente importante déficit proprioceptivo (ataxia de marcha, instabilidade com olhos fechados) se faz necessário exclusão de síndrome cordonal posterior (por exemplo, deficiência de vitamina B12) ou disfunção do corpo celular sensitivo (uma ganglionopatia como vista na síndrome de Sjogren ou doença paraneoplasica)16.

Sintomas sensitivos e/ou motores e um padrão comprimento-dependente mais difuso (isto é, envolvendo a região proximal e distal dos segmentos) sugerem uma polirradiculopatia) 16.

Avaliação laboratorial

Determinar quais os exames laboratoriais devem ser usados para avaliar a neuropatia é um desafio.  Vários testes estão disponíveis e podem tornar a investigação destes pacientes um investimento de alto custo.

A avaliação laboratorial recomendada inicialmente é: glicemia de jejum, o teste de tolerância a glicose é mais sensível do que a hemoglobina glicada e a glicemia de jejum e deve ser considerada se a glicemia é normal, eletrólitos para avaliar a função renal e hepática, hemograma completo, dosagem sérica de vitamina B12 (se abaixo de 400pg/mL os metabolitos, ácido metilmalonico e homocisteina, devem ser avaliados),  hemossedimentação, hormônio tireoidiano e hormônio estimulador da tireoide, eletroforese de imunofixação sérica1.

Avaliação de doenças do tecido conjuntivo e vasculite podem incluir proteína C reativa, anticorpo antinuclear, fator reumatoide, mieloperoxidase, complemento, enzima conversora da angiotensina, SS-A e SS-B, painel para hepatites C e C, e crioglobulina. Para doenças infecciosas considerar doença de lyme e HIV. Na suspeita de síndrome paraneoplasica considerar anticorpo anti-Hu. Doença celíaca é encontrada em 2,5% dos pacientes com neuropatia. Exames para antigliadina IgG e IgA e transglutaminase devem ser consideradas se o exame inicial for normal. Screening sérico e urinário para metais pesados raramente é útil, a menos que a exposição a metais pesados é suspeitada.

Na neuropatia desmielinizante com latências distais muito prolongadas, considerar anti-glicoproteina relacionada a mielina (MAG). Se a neuropatia motora multifocal e suspeitada considerar anti-GM1.  Nos pacientes com variantes da SGB pode pesquisar os antigangliosideos (anti-GQ1b, anti-GM1, e anti-GD1a).  Na neuropatia com significante disfunção autonômica considerar avaliação de amiloidose (aspiração de gordura umbilical, biopsia retal, avaliação genética da transtirretina) porfirina urinarias, painel de anticorpos paraneoplasicos. Sindrome de neuropatia sensitiva autonômica hereditária (estudo genético) e doença de Fabry (avaliar galactosidase).

 

O estudo da condução nervosa e a eletromiografia:

O exame mais confiável para o diagnóstico da neuropatia periférica associado a combinação dos sintomas e exame neurológico são os achados do estudo da condução nervosa e eletromiografia10.Esta avaliação nos permite avaliar a extensão da neuropatia além de inferir qual o processo fisiopatogênico ocorre no nervo.

Outros exames:

O estudo genético, cada vez mais disponível e realizado na suspeita de neuropatias hereditárias, é mais efetivo quando relacionado com o padrão de apresentação clínica e o estudo eletrofisiológico.

Se alguma causa infecciosa, autoimune ou neoplásica é suspeitada o estudo do liquor deve ser realizado.

A ressonância Nuclear Magnética para avaliar o espessamento da raiz do nervo, pode auxiliar no diagnóstico das polirradiculoneuropatias.

Biopsia de pele

A biópsia de pele, com avaliação da densidade de fibras intraepidérmicas, tornou-se o padrão ouro para o diagnóstico das neuropatias de fibras finas, com especificidade estimada de 95-97% e pode ser realizada no consultório9.

Biopsia de nervo

No passado, a biopsia de nervo foi utilizada para avaliar a etiologia, a reação patológica e a severidade do dano neural. Nas duas últimas décadas, a biopsia de nervo tem se tornado menos importante devido ao progresso no eletrodiagnostico, laboratório e estudo genético. Atualmente, a pesquisa de algumas etiologias especificas é a principal indicação para a sua realização, mas não deve ser realizada antes de uma avaliação adequada sob o ponto de vista clinico, eletrofisiológico e laboratorial. Atualmente a indicação da biopsia de nervo é para dar suporte ao diagnóstico de doenças inflamatórias como vasculite, sarcoidose e CIDP; doenças infecciosas como a hanseníase; ou doenças infiltrativas como tumor ou amiloidose. É também recomendada na neuropatia criptogênica difusa progressiva, raramente é informativa nas neuropatias axonais simétricas distais associadas a condições toxicas e metabólicas. Deve ser escolhido um nervo puramente sensitivo para ser biopsiado.

Manuseio sintomático da neuropatia periférica

O objetivo primário na avaliação da neuropatia é identificar a etiologia e se possível tratar a causa. Entretanto mesmo quando a neuropatia tem uma etiologia tratável (como hanseníase, diabetes mellitus, deficiência de vitamina B12, ou exposição toxica), a recuperação funcional do nervo periférico vai depender do grau de lesão previa.  Nos casos de neuropatia idiopática o tratamento é sintomático.

Pacientes que apresentam neuropatia periférica comprimento- dependente os sintomas que predominam são sensitivos, com perda da sensibilidade nas extremidades. Então os pacientes devem ser orientados quanto a importância dos cuidados com os pés a escolha de um sapato adequado, monitorizar seus pés para sinais de ulcerações ou injurias precoces que podem ser mascarados pela perda sensitiva. O manuseio de pacientes que apresentam dor neuropática podem ser um desafio. Vários consensos de algoritmos para o tratamento de dor neuropática crônica tem sido propostos e comparados. Os agentes de primeira linha incluem anticonvulsivantes, antidepressivos tricíclicos ou inibidores seletivos da recaptação da serotonina-norepinefrina. A escolha dos agentes de primeira linha é baseada nas comorbidades dos pacientes. Pacientes com pequenas áreas de dor localizada podem ser tratados com agentes tópicos16.

 

Referências:

  1. Alport A. R. & Sander H.W. Clinical Approach to Peripheral Neuropathy: Anatomic Localization and Diagnostic Testing, Continuum Lifelong Learning Neurol 2012;18(1):13–38.
  2. Barhon R. & Amato A.A. Pattern-Recognition Approach to Neuropathy and Neuronopathy Neurol Clin 31: 343–361.. 2013
  3. Bartt RE. Leprosy. 2004. Curr treatment Options Neurol. Mar 6(2):95-103.
  4. Bertorini T.E. Neuromuscular Case Studies. Ed. Elsevier. Cap 1, p. 1-25, 2008.
  5. Callaghan B.C.; Price R.S.; Feldman E.L. Diagnostic and Therapeutic Advances: Distal Symmetric Polyneuropathy. JAMA: November 24; 314(20): 2172–2181, 2015.
  6. Campbell WW, De Jong O Exame Neurológico. EdGuanabara-Koogan Cap. 31, p: 363-369. 6ª. Ed. 2007.
  7. Crowell A. & Gwathmey K.G. Sensory Neuronopathies. Curr Neurol Neurosci Rep:17:79, 2017.
  8. Doughty CT, Seyedsadjadi R., Approach to Peripheral Neuropathy for the Primary Care Clinician, Am J Med. 2018 Feb 2. pii: S0002-9343(18)30034-2. doi: 10.1016/j.amjmed.2017.12.042. [Epub ahead of print] Review. PMID:29408540 Acesso 24 Mai, 2018.
  9. England JD, Gronseth GS, Franklin G, Carter GT, Kinsella LJ, Cohen JA, et al. Evaluation of distal symmetric polyneuropathy: The role of autonomic testing, nerve biopsy, and skin biopsy (an evidence-based review). Vol. 39, Muscle and Nerve. 2009. p. 106–15.
  10. England JD, Gronseth GS, Franklin G, Miller RG, Asbury AK, Carter GT, et al. Distal symmetric polyneuropathy: A definition for clinical research: Report of the American Academy of Neurology, the American Association of Electrodiagnostic Medicine, and the American Academy of Physical Medicine and Rehabilitation. Neurology. 2005;64(2):199–207.
  11. Gardner E.D. & Bunge R.P. Grossy Anatomy of Peripheral Nervous System. In Dyck P.J & Thomas P.K. Pheripheral Neuropathy. 2005. 4ed. Vol.1 Cap 3. P.11-33. Elsevier Saunders.
  12. Hanewinckel R.; van Oijen1 M..; Ikram M.A.; van Doorn P. The epidemiology and risk factors of chronic polyneuropathy. Eur J Epidemiol 31:5–20, 2016.
  13. KATONAI & WEIS J. Diseases of the peripheral nerves. In: G.G. Kovacs and I. Alafuzoff. Handbook of Clinical Neurology, Vol. 145 (3rd series). Neuropathology. 2017. Cap. 31 p.454-472. Elsevier
  14. Russel J.A. General Approach to PeripheralNerve Disorders. Continuum (Minneap Minn), Oct;23 (5, PeripheralNerve and Motor Neuron Disorders):1241-1262, 2017.
  15. Terkelsen A. J.; Karlsson P.; Lauria G.; Freeman R.; Finnerup N.B; Jensen T.S. The diagnostic challenge of small fibre neuropathy: clinical presentations, evaluations, and causes. Lancet Neurol; 16: 934–44. 2017
  16. Watson J.C. & Dyck P.J. Peripheral Neuropathy: A Practical Approach to Diagnosis and Symptom Management. Mayo Foundation for Medical Education and Research. Mayo Clin Proc. 90(7):940-951; 2015.
Drª Márcia Jardim

Drª Márcia Jardim

Médica

Possui graduação em Medicina pela Fundação Técnico Educacional Souza Marques (1992), Residência em Neurologia pelo Hospital universitário Pedro Ernesto.

Mestrado em Medicina-Neurologia pelo Hospital Universitário Antônio Pedro (2000) e doutorado em Medicina Neurologia pelo Hospital Universitário Antônio Pedro (2004). Atualmente é Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Médica Neurologista do ambulatório de hanseníase da Fundação Oswaldo Cruz, professora permanente da pós-graduação de neurologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Doenças Neuromusculares, atuando principalmente nos seguintes temas: Neuropatias periféricas, miopatias, lepra/hanseníase, neurofisiologia clínica/eletroneuromiografia, vasculite, amiloidose.

VEJA OUTROS ARTIGOS

Manuseio da dor Neuropática

Manuseio da dor Neuropática

Márcia R. Jardim Introdução A dor é uma experiência complexa que depende fortemente de influências cognitivas, emocionais e educacionais do indivíduo. Segundo a IASP (International Association for the Study of Pain), a dor é definida como uma desagradável experiência...

ler mais
A eletroneuromiografia e a sua correlação clínica

A eletroneuromiografia e a sua correlação clínica

Especial SRRJ - Eletroneuromiografia Por Márcia Jardim (Professora adjunta de Neurologia da FCM UERJ Neurologista do Ambulatório de Hanseníase Fiocruz, Professora Permanente da Pós Graduação em Neurologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio)) A...

ler mais